
A Câmara Municipal de Porto Alegre deve votar, na próxima segunda-feira (3), um projeto de lei que cria novas regras para a distribuição de alimentos a moradores de rua e pessoas em situação de vulnerabilidade social. A proposta, de autoria da vereadora Comandante Nádia (PL), presidente da Casa, já causa forte debate entre parlamentares, entidades religiosas e organizações voluntárias.
Segundo o texto, ONGs, grupos e voluntários só poderão realizar doações mediante autorização prévia da prefeitura, com cadastro de locais, datas e horários das ações. Além disso, será necessário o uso de crachás de identificação, limpeza do local antes e depois das entregas e cumprimento das normas de segurança alimentar, incluindo transporte e manipulação dos alimentos.
O descumprimento das regras poderá gerar multas de até R$ 2,9 mil e até proibição de novas distribuições.
📜 O argumento da autora
Para a vereadora Comandante Nádia, que já foi secretária de Desenvolvimento Social, o projeto tem caráter organizacional, não punitivo. Ela afirma que o objetivo é coordenar as ações solidárias e garantir que mais pessoas em diferentes pontos da cidade sejam atendidas, sem sobreposição de doações.
“Não é um projeto que vai proibir, ele vai organizar. Queremos eficiência e segurança alimentar para quem quer fazer caridade e também efetividade para quem precisa comer”, explicou Nádia.
A parlamentar ainda aponta reclamações de moradores sobre sujeira deixada em locais públicos após distribuições desorganizadas de marmitas.
⚖️ Resistência de entidades e parlamentares
O texto, porém, é considerado excessivamente burocrático por movimentos sociais e vereadores da oposição.
Para o coordenador do movimento A Fome Tem Pressa, Rogério Dalló, o projeto cria barreiras que podem inviabilizar o trabalho de quem atua de forma espontânea.
“O que se consegue com isso é esconder a fome, não resolvê-la. A população tem pressa, e a necessidade não se resolve proibindo quem quer ajudar”, afirma Dalló, que sinaliza que o movimento poderá acionar a Justiça caso o projeto seja aprovado.
A vereadora Natasha Ferreira (PT), líder da oposição na Câmara, classificou a proposta como “desumana” e apresentou um substitutivo, que proíbe penalidades a quem doar alimentos, exceto em casos de risco sanitário grave.
“As pessoas têm fome hoje, não daqui a cinco dias, que é o prazo que a prefeitura levaria para liberar uma licença. Estamos tratando de uma questão emergencial, não de um serviço burocrático”, criticou.
🏛️ Prefeitura busca ajustes
A Prefeitura de Porto Alegre, por meio do secretário de Assistência Social, Matheus Xavier, reconhece a necessidade de organização, mas admite que o texto deve sofrer emendas para suavizar as exigências.
Segundo Xavier, há relatos de que criminosos têm se infiltrado em locais de distribuição para se aproveitar das ações voluntárias, o que reforçaria a necessidade de controle e monitoramento.
A proposta em estudo prevê que as doações sejam concentradas em áreas próximas a equipamentos públicos, com presença de assistentes sociais durante as abordagens.
⚠️ Parecer jurídico questiona constitucionalidade
Um parecer da Procuradoria da Câmara de Vereadores classificou o projeto como inconstitucional em alguns trechos, por interferir de forma desproporcional em direitos fundamentais, como a liberdade de associação e a solidariedade espontânea.
O procurador Fábio Nyland recomendou que o texto seja limitado a diretrizes gerais de higiene e segurança alimentar, sem exigir inscrição ou autorização prévia.
“A obrigatoriedade de cadastro e autorização municipal pode desestimular ações espontâneas de voluntariado, especialmente por pessoas físicas”, diz o parecer.
🤔 Organização ou restrição?
A discussão expõe um dilema que vai além da Câmara Municipal: até que ponto o poder público deve regular a solidariedade?
Enquanto alguns defendem que a medida trará mais segurança, higiene e controle social, outros apontam que a burocratização pode afastar cidadãos e entidades que hoje suprem uma lacuna de políticas públicas mais efetivas contra a fome.
A votação na segunda-feira promete ser uma das mais polêmicas do ano na Câmara de Porto Alegre — e pode definir o futuro das ações solidárias na capital gaúcha.
⚖️ Questões e implicações
- Se esse projeto for aprovado como sugerido no debate, ele pode criar exigências formais para ações de ONG’s, voluntários e associações que distribuem alimentos em praça pública ou viações públicas.
- Isso pode significar necessidade de autorização municipal, cadastro de entidade, responsabilidade pela limpeza do local após a distribuição e possível aplicação de multas caso não haja conformidade com normas de asseio urbano.
- Por outro lado, essa regulamentação pode gerar uma série de debates éticos e práticos:
- Até que ponto normas administrativas exigem burocracia sobre ações solidárias?
- Como garantir que regras de limpeza urbana não impeçam voluntários de distribuir alimentos por falta de estrutura formal?
- Qual o papel da Prefeitura na logística de apoio (lixo, logística, apoio operacional) para entidades beneficentes?



