Brasil enfrenta queda na cobertura vacinal infantil nos últimos 10 anos

Nesta sexta-feira, (17), Dia Nacional da Vacinação, dados do Anuário VacinaBR 2025 revelam um cenário preocupante: o levantamento, elaborado pelo Instituto Questão de Ciência (IQC) com apoio da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e parceria do UNICEF, aponta uma queda contínua e generalizada nas coberturas vacinais infantis a partir de 2015 — tendência que se agravou após 2020, possivelmente em função da pandemia de Covid-19.
Apesar de uma recuperação iniciada em 2022, nenhuma vacina infantil do Calendário Nacional atingiu as metas de cobertura do Programa Nacional de Imunizações (PNI) em todos os estados em 2023. Um dos casos mais alarmantes é o da poliomielite: desde 2016 o Brasil não atinge a meta de 95% de cobertura, e em 2023 menos de 20% da população vivia em municípios que cumprem esse índice. Para efeito de comparação, entre 2001 e 2010, a cobertura variava entre 60% e 75%.
Para a biomédica Gabriela Maira Pereira de Assis, coordenadora e professora do curso de Biomedicina do Centro Universitário UniBH – integrante do maior e mais inovador ecossistema de qualidade do Brasil, o Ecossistema Ânima – o dado preocupa não apenas pela queda em si, mas pelas consequências a médio e longo prazo. “Quando uma doença deixa de circular por muitos anos, as pessoas tendem a acreditar que o risco desapareceu. Mas o que some não é o vírus, e sim a proteção coletiva. Baixar a guarda agora pode trazer de volta problemas que julgávamos superados”, alerta.
Como nasce uma vacina
Segundo Gabriela, o desenvolvimento de uma vacina começa na chamada fase pré-clínica, quando cientistas identificam qual parte do vírus, bactéria ou outro patógeno pode estimular o sistema imunológico, nos dando proteção contra aquele agente. Primeiro, os testes são feitos em células e depois em animais para avaliar a resposta imune e descartar reações indesejadas. Nessa etapa, também se desenvolve a formulação com adjuvantes — substâncias que potencializam a resposta do organismo. “Superada essa fase, iniciam-se as análises em humanos: na primeira avalia-se a segurança em poucas pessoas; na fase 2, o número de voluntários é ampliado e há ainda a testagem da imunogenicidade e dosagem. Já a terceira e última etapa envolve milhares de participantes para medir eficácia e segurança do imunizante em larga escala”. Concluídos os testes, um dossiê completo é submetido às agências regulatórias, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para avaliação técnica e liberação.
Após aprovação, a vacina entra em produção de larga escala, passa por controle de qualidade e só então chega aos serviços de saúde. “Mesmo liberada, toda vacina continua sendo monitorada. A farmacovigilância serve para identificar efeitos adversos raros, acompanhar a eficácia no mundo real e atualizar formulações quando necessário”, explica a biomédica.
Ainda segundo a professora do UniBH, alguns imunizantes demandam múltiplas doses para reforçar a resposta imunológica e garantir maior duração da proteção. “Algumas doenças ainda sofrem mutações, o que exige atualização periódica das vacinas, como ocorre com a gripe e a Covid”.
A especialista também acrescenta que o benefício da vacinação vai além do indivíduo. Isso porque quando grande parte da população está imunizada – termo conhecido como imunidade de rebanho – a circulação do vírus diminui. Nesse cenário mesmo aqueles que não se vacinaram ficam protegidos indiretamente. “A queda nas internações e mortes por doenças como sarampo, difteria, poliomielite e tétano é reflexo direto das campanhas de vacinação das últimas décadas. Quando a população deixa de se proteger, o perigo volta. O Brasil já viu isso acontecer antes. Não podemos repetir a história”.
Combate às Fake News
A biomédica reforça ser essencial ainda combater a disseminação de notícias falsas sobre as vacinas, prática que se tornou comum durante e depois da pandemia. “Entre os boatos mais frequentes está a informação de que as vacinas causam a própria doença ao invés de preveni-las, sobrecarregam o sistema imunológico, alteram o DNA e produzem efeitos adversos graves. Esses mitos, que se sustentam na falta de conhecimento e no medo, são, na verdade, um grande obstáculo que impede as pessoas de se imunizarem”.
A orientação, segundo a especialista, é clara: “É preciso recorrer a fontes oficiais, como o Ministério da Saúde, Organização Mundial da Saúde (OMS), Anvisa, além médicos e profissionais especializados. Em conversas com pessoas hesitantes, o ideal é ouvir, contextualizar dados e comparar riscos reais.”